segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Crumb na Flip



Conheci o quadrinista Robert Crumb meio tarde, foi em 2003 no filmaço ''O Anti Herói Americano'', que conta a vida de Harvey Pekar, e sua amizade com o excêntrico desenhista. Saindo do cinema, fui atrás de seus gibis, me apaixonei por seu trabalho e assim peguei gosto pela criação mais underground e subversiva nos quadrinhos.

Gostei muito do Crumb por alguns motivos. Por ele ter encabeçado um movimento cultural praticamente sozinho, por seu traço (que mudou muito durante os anos), sua ironia e predisposição natural para ser ácido e subversivo. Acabei comprando os gibis que a Editora Conrad lançou aqui no Brasil, e estou sempre relendo seus trabalhos.

Quando li que ele participaria da Flip desse ano, eu prontamente agilizei meu convite e estadia. E já que estaria tão próximo, pensei em entregar alguma peça diretamente para ele.

Demorei um bom tempo pensando em qual peça criar. Tentei lembrar de suas estórias, do documentário ''Crumb'', o que poderia agradá-lo? Acho que os clássicos Fritz the cat, Mr. Natural e outros personagens dos anos 60, ficaram para trás. São estórias de 40 anos que eu acredito que ele nem queira mais falar sobre isso. Pensei em fazer ele e o Harvey Pekar, só que o Harvey acabou de morrer, não sei como ele reagiu a isso. Finalmente cheguei a mais óbvia das idéias: uma mulher. Gigante, desproporcional, bunduda, e tudo que remete as suas obsessões sexuais. Disso ele ainda gosta, pensei.

Fiz a peça montando um mosaico de vários desenhos diferentes dessas Pin Ups gigantes. Fiz um fundo, coloquei na cúpula e levei para Paraty.

Cheguei na Flip e me impressionei com o número de pessoas nas ruas e a demora nos restaurantes. Passei a tarde passeando, e me informei com a organização do evento como eu poderia entregar em mãos minha peça. Recebi um balde de água fria. Ele ia acabar a palestra e imediatamente ir para outra tenda onde seria distribuidos autógrafos. Apenas 50, com senha dada durante a palestra. Ou seja, ou voce via a palestra, ou ficava numa fila gigante e torcia para pegar uma senha. Com tudo pago, e realmente querendo ver o que ele tinha a dizer, optei em ver a palestra.

Voltei para a pousada, e cheguei na frente da tenda com 30 minutos de antecedência. Fiquei chocado com a imensa fila que havia se formado. ''Esse pessoal todo está aqui para ver o Crumb?'', é o que não saia da minha cabeça. Deu o horário e os portões se abriram, a multidão entrou entusiasmada. Peguei um lugar lá no fundo, fiquei impressionado com o tamanho do local. 900 pessoas estavam sentadas para ver o quadrinista.

10 minutos depois, entrou Crumb, Gilbert Shelton e Sergio Davilla que faria a mediação da conversa. Ele entrou meio curvado, chapéu e terno preto, visivelmente desconfortável. Sentou na cadeira do meio, deu de ombros e suspirou. Aquilo seria uma tortura para ele.

Enquanto Sergio fazia as apresentações, Crumb colocava a mão na testa para conseguir ver quantas pessoas estavam na platéia. Ele não parava de fazer isso, o que já gerou alguns risos da multidão. Quando chegou sua vez de falar, ele já disse: ''o que voces estão fazendo aqui? Se voces gostam do meu trabalho, ótimo, mas eu sou chato e velho''. Gargalhadas.

Os fotógrafos estavam há dois metros de distância, metralhando seus flashes contra o quadrinista. ''Isso é muito desconfortável. Todas essas pessoas e esse fotógrafos''. A primeira pergunta: é verdade que voce veio para cá obrigado pela sua mulher? ''Sim, eu não sou muito de viajar''. Dali já deu para sentir o climão.

Não que tenha sido chato a próxima hora de conversa, pelo contrário, foi incrível ver de perto que aquilo tudo que ele já disse em suas estórias, entrevistas e documentário era extremamente real. Toda sua excentricidade, timidez e desconforto frente ao público estava ali. Sem maquiagem ou edição.

As perguntas foram meio óbvias, e de nada me acresentou. O mais divertido foi observar seus maneirismos, postura e como tudo isso é captado com extrema precisão em seus auto retratos. O mediador pergunta: me fale um pouco da criação do livro ''Genesis''. ''O que voce quer saber?''. Ele responde num tom meio tímido. Quando perguntado sobre suas obsessões sexuais, ele disse que não se reconhece mais naqueles desenhos, estava velho. ''Quem foi o lunático que desenhou isso?'' ele brinca. Talvez a peça que eu pensava em entregar, não teria mais o efeito que eu imaginava.

Nem preciso dizer que Gilbert Shelton ficou meio apagado. O engraçado é que ele estava muito afim de falar, respondia tudo com clareza e muita simpatia. Mas as perguntas não chegavam. A coisa piorou muito quando a mulher do Crumb, a também quadrinista Aline Kominsky, foi convidada a subir no palco. Aí ele praticamente não falou mais nada, só deu ela falando do trabalho dela, e das estórias que eles faziam juntos. Achei desnecessário e uma perda de tempo.

Deu uma hora exata de conversa e Sergio Davilla finalizou. Crumb disse ''acabou??'', e já levantou na hora, não agradeceu, não deu tchau, nada. Colocou os braços nos ombros de Aline e saiu pela coxia.

Na outra tenda, a multidão já se empoleirava para ganhar um autógrafo. Curto o trabalho do cara, mas não sou um fanático desesperado (que inclusive ele detesta). Perdi completamente a vontade de entregar a peça. Eu teria que enfrentar uma verdadeira epopéia, além de notar que ele estava deslocado e desconfortável durante toda a palestra, ele só queria acabar logo com aquilo tudo.

O mais próximo que cheguei dele foi quando as perguntas da platéia foram lidas (apenas duas) e uma delas foi a minha. ''Depois de tantos anos de trabalho e sucesso, existe algo para ser criado?'' Sua resposta: ''não...''.

Fiquei tranquilo em trazer a Pin Up de volta para casa.

Um comentário:

  1. Cara, você devia ter dado o pinup pra ele - e ainda há tempo. Vale mais por você - da sua atitude e criação do que por ele - ao receber (e certamente agradecer).

    Tenho informações de bastidores de que realmente o cara é muito mais humano e verdadeiro que imaginamos. Cruzei com eles duas vezes, e realmente se não fora pelas esposas ...

    Você soube da história do moleque que viajou 8 horas de São Manuel para ele autografar a capa do LP? E o seu toque timido de rendição diante do fã?

    Depois te conto!

    ResponderExcluir